segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
A poesia de Deífilo Gurgel: Areia Branca
Areia Branca
Autor: Deífilo Gurgel
" No princípio era a escola de D. Adelina
- a cantilena monótona do b-a-bá
as estridentes vozes infantis
enchendo a sala, as ruas, a manhã.
No princípio eram as festas de São João
- as casas enfeitadas de lanternas,
as ruas como naus embandeiradas,
atravessando a noite lentamente.
No princípio era o pastoril “Futurista”
no fim da rua do Progresso.
As pastorinhas começavam assim:
“Boa noite, meus senhores todos”…
e a velha noite se transfigurava.
Naquele tempo o “boi” vinha dançar
em frente à casa de Júlio de Noca.
O “mateu”, (trr-uuu abre-abre lalaia!)
passava o cipio na barriga da gente
mas ninguém ligava,
ninguém se retirava
-continuávamos impassíveis, dentro da noite,
esperando pela morte do “boi”.
(Ai, boi, que morrestes tantas vezes,
para alegria ou tristeza de outros meninos!)
Naquele tempo vinham os “beijús”
e espalhavam na areia vermelha do cais:
carneiros, galinhas, capados,
palhas de coqueiro, mangas, laranjas,
cajus, tapiocas, côcos verdes,
E a sua fala se arrastava cadenciada
nas calçadas da Rua da Frente.
Depois veio a saudade.
Depois, esses soluços no meu peito…
e essas lembranças acordando sombras.
Como eu te amei, cidade do meu berço!
Cadê Baracanha? Maria Mole, Cangainha,
Vela Branca, Pum da Guerra, Zé Mijão?
Cadê Manga Azeda, Passo da Ema, Fumo Bom,
Cabelo de Vaca, Raimunda Grande, Pestana de Burro?
Quero vagabundar de novo pelas tuas ruas:
passar na Rua da Frente, ir à Fuzarca,
visitar a Favela, a rua da Tarrafa,
voltar ao Beco da Galinha Morta,
ver o Canal do Mangue, a Volta da Tripa,
subir ao Alto do Urubu.
Quero falar com tuas famílias de Camarões,
Corós, Baleias, Sanhoás,
Gatos, Camelos, Bribas e Besouros.
Quero subir na torre da tua única igreja
e espiar lá do alto
os navios que atracam no lamarão.
Deixa-me pensar que ainda és a mesma
e que ainda poderei encontrar no jardim, atrás da igreja
todos os que me viram menino,
no tempo em que amávamos
desesperadamente a vida.
Deixa-me passar de olhos fechados
pelo Beco da Galinha Morta,
que não era absolutamente para mudar,
que era para ficar a vida inteira,
como no tempo em que eu estudava
no Educandário “Padre Anchieta”
do Professor Albertino Maciel
e não sabia que por trás da Barra
o mundo era tão grande."
Extraída do livro Cais da Ausência - Coleção “Jorge Fernandes”, da SEEC, Natal, 1961.
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