Notícias do Dia

terça-feira, 6 de julho de 2010

Um grito de alerta: "Quem ama não mata!"





Os cães ladram, as caravanas passam, e as mulheres morrem

Por Marli Gonçalves

Em silêncio ou algazarra, as caravanas passam. Um dia, passam. Foi dramático o momento lamento oco das vuvuzelas tristes, substituindo a rápida toada verde e amarela que ameaçava decolar, mesmo com tudo o que dizia "não, não vá, não vai dar". Nossos cãezinhos sofreram à toa, em pânico com os estrondos. Nossas mulheres continuaram morrendo horrendamente matadas por homens e paixões, algozes. Como o futebol.

O goleiro pode ter matado a mesma dona da trave aberta de onde saiu um gol-menino, seu. A jovem advogada perdeu a vida à beira de uma represa. A adolescente emerge decomposta das águas que há dias acabava com as esperanças. Elas somem de seus caminhos cotidianos para morrer, em emboscadas. Outras, com histórias menos vistosas, foram encontradas aos pedaços, em malas, em valas. E amanhã tem mais. Se for bonita, comoção maior. Deveria ter sido feito isso, aquilo, um monte de coisas. Morreram porque um dia amaram, e deixaram de amar, ou se libertaram dessas paixões que de tão doentias quase matavam. Suas vidas esmiuçadas agora parecem querer mostrar apenas que elas é que procuravam isso.

Mas essas coisas todas, que não deveriam acontecer, existem. E só porque há leis para nos proteger que não são jamais cumpridas, nem o básico. Às vezes até por serem impossíveis - bonitas no papel, com seus capítulos e parágrafos recheados, mas inexequíveis. Falsa sensação essa a de dormir pensando que te deram algo, que todos se vangloriaram, assinaram leis, posaram para fotos, deram entrevistas. Cada vez menos se acredita, ou melhor, nós, mulheres, Marias, da Penha, da Lapa, do Grajaú, de Copacabana, cada vez acreditamos menos em proteção. Reclamar para quem? Para o bispo? De qual igreja? De qual jogo? Quando? Como fantasminha de novela? Quando já não adianta mais nada, já era? Mórrrreu...

Acabo de ler que "em dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil. Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio - índice de 4,2 assassinadas por 100 mil habitantes". Índice acima de qualquer padrão, se é que haveria um, a não ser o da desfaçatez e loucura humana - uns subjugando outros. Isso é grave, e o problema da violência doméstica deveria estar em destaque, na boca de quem diz defender a mulher. Mas sempre a preferência é o blábláblá executivo que, de tão geral não faz sentido, ou, de tão específico, só pode estar privilegiando alguém. Nem o boi consegue dormir mais.

Onde estão os Poderes?

Há a lei, legislada, e há o juiz, como o de uma partida de futebol, e como tantos os que vimos em campo, muitos vacilando. Ele precisa ver - se ligar, apitar, gritar, dar um piti - para parar o lance e cobrar a falta. Nossa Justiça precisa ter menos ouvidos moucos. Deveria. Inquéritos mal concluídos, investigações desastrosas ou sensacionalistas, falta de preparo dos investigadores, falta de equipamentos modernos de detecção. E chega um caso atrás do outro. Os grotões do país. A descultura nacional que proporciona e aceita a descompostura masculina como sinal de testosterona.

Você sabe que é uma urgência, porque está na sua pele, em tons roxos. Eles protelam. Se não podem, se ninguém pode dar a proteção necessária, que digam logo: Te vira, dá no pé! Some, senão você pode virar croquete. Antes que qualquer bandeirinha possa levantar a mão. Compre uma arma. Não saia sem o celular, e o GPS, e sem dizer e registrar onde foi. Contrate um segurança.

Melhor: compre um cachorro. Melhor do que esperar gente. Olha essa que foi notícia esta semana - Shirley é uma cachorra, daquelas com rabo e tudo, de verdade, que apenas lambe a menina e salva sua vida. Uma labradora que sabe detectar quando ficam críticos os índices de glicose do sangue, por seu complexo faro. A cachorra sente e começa a lamber a amiga, suas mãos, suas pernas, seus braços. Ela tem de ser rápida no chamar a atenção de todos, são segundos antes que a garota desfaleça. Shirley é uma cachorra treinada, pouquíssimas existem no mundo fazendo essa experiência. Deveriam estar sendo treinados aos milhares para combater a maldita praga da diabetes.

E aí, meninas, o que acham? Poderíamos chegar a uma sofisticação parecida e treinarmos cachorros para que, com seus faros, eles, lindinhos, pudessem nos ajudar a identificar e afastar homens escrotos de nossas vidas! Esses parasitas também devem emitir cheiros diferentes em certas horas de pensamentos maus. Horríveis devem ser esses odores, não perceptíveis pelo nariz de mulheres, especialmente se apaixonadas, especialmente se com filhos, ou se ainda tão jovens que pouco treinadas a identificá-los.

Os cachorros farejam, protegem e fazem muito mais companhia. Saberão lhe confiar mais do seu amor incondicional, mesmo até que você nem os ame tanto. Eles têm sentidos desenvolvidos e mais sensíveis que os nossos. Por isso sofrem tanto mais com o barulho, tanto medo tiveram dos rojões e das vuvuzelas ácidas que descompassaram seus corações recentemente, quando devem ter tentado entrar embaixo de todas as saias, pedindo socorro, sem vergonha de nos parecer frágeis.

Os homens não sabem fazer isso: pedir socorro. Por isso tentam ou matam.

Nós sabemos. Principalmente se for para se defender, ladre, grite. Defenda sua vida. Saia desse mato sem cachorro.

São Paulo, segunda metade, 2010.


• Marli Gonçalves, jornalista. Já passou por muito disso tudo uma vez, há muito tempo marcado na pele, salva pela arte instantânea do malabarismo, e por amigos fiéis pra cachorro. As coisas já deviam ter melhorado.

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